Dica de leitura: Vitamin D metabolism in dogs and cats and its relation to diseases not associated with bone metabolism
O artigo que destacamos esse mês, é uma extensa revisão sobre a relação da vitamina D em diversas patologias em cães e gatos. Revisões bibliográficas são importantes, pois fazem o levantamento dos artigos mais recentes publicados sobre o tema, e este em particular tem uma importância ainda maior, pois foi um levantamento realizado por um grupo de pesquisadores brasileiros, tendo como autor principal autor o pesquisador Rafael Zafalon, do grupo de estudos do renomado Prof Márcio Brunetto da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP). Outra vantagem dos artigos de revisão são as possibilidades que podem ser levantadas para trabalhos futuros na complementação dos questionamentos que não foram solucionados.
Artigo: Vitamin D metabolism in dogs and cats and its relation to diseases not associated with bone metabolism
Autores: Rafael V. A. Zafalon, Larissa W. Risolia, Vivian Pedrinelli, Thiago H. A. Vendramini, Roberta B. A. Rodrigues, Andressa R. Amaral, Marcia M. Kogika, Marcio A. Brunetto
Publicado em: Journal of Animal Physiology and Animal Nutrition, 2019, 104:322-342.
O metabolismo da vitamina D é descrito na introdução, ressaltando as principais diferenças entre os seres humanos, os cães e os gatos. As necessidades nutricionais da vitamina D em cães e gatos também são discutidas, levando em consideração as recomendações nutricionais de Colecalciferol (D3) pelo NRC e pelo FEDIAF, porém não há trabalhos relacionando a quantidade de vitamina D3 ingerida necessária para produzir valores suficientes de Calcidiol (25-hidroxivitamina D ou 25(OH)D), entre 100 a 120ng/ml para serem mensuradas (pelo método de quimioluminescencia), estipulado por Setting et al (2016). Outro ponto bastante discutido entre os vários trabalhos pesquisados são as diferentes metodologias de dosagens tanto do calcidiol como do calcitriol (1,25 Dihidroxivitamina D ou 1,25(OH)2D), que podem interferir na interpretação dos valores de referência. No entanto, há um consenso de que o padrão ouro para mensuração é a cromatografia líquida de alta performance, no entanto existem alguns ensaios alternativos.
Após esta introdução, os autores fazem uma descrição detalhada sobre a influência da vitamina D em diversas patologias. Além disso, o que facilita muito a compreensão do leitor do cronograma das principais publicações sob o tema, foi a disponibilização de uma tabela com todas as referências utilizadas, no total de 22 trabalhos, onde foi tabulado diversas informações importantes, como a espécie e doença que cada trabalho pesquisou, assim como os valores de 25(OH)D dos grupos doentes e os controles, bem como o substrato e a metodologia utilizada empregadas. E também os autores tiveram o cuidado de incluir um breve comentário dos resultados observados em cada trabalho apresentado nesta tabela. Os trabalhos avaliaram o status da 25(OH)D nos pacientes com doenças do trato gastrointestinal (como enteropatias crônicas e doença inflamatória intestinal). Os animais que apresentaram os menores valores séricos tiveram maior taxa de óbito ou a morte precoce. As diversas ações da 1,25(OH)2D (forma ativa) e sua interação com os receptores de vitamina D (VDR) presentes em quase todas as células do sistema imune foram descritas.
Figura 1. Tabela com a concentração sérica de 25(OH)D em cães e gatos utilizados como referência no trabalho descrito, a continuação dela está disponível na integra no link do artigo https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/jpn.13259
A relação entre o status da vitamina D e o desenvolvimento de neoplasias são observadas em várias referências citadas, onde os animais que apresentaram valores de calcidiol reduzidos tiveram maior risco de desenvolverem neoplasias esplênicas malignas. Os diversos efeitos antineoplásicos do calcitriol descritos na medicina humana são discutidos no decorrer do texto, porém como os níveis diminuídos da vitamina D estão relacionados com o desenvolvimento de neoplasias precisa ser melhor elucidado.
Outra patologia que entra em discussão é a insuficiência cardíaca congestiva, já que níveis diminuídos de 25(OH)D estão associados a maior possibilidade de desenvolvimento de doenças cardíacas e as suas consequências, uma vez que a 1,25(OH)2D atua na regulação do remodelamento cardíaco. Nenhum trabalho envolvendo este comprometimento foi encontrado em gatos com cardiopatias e apenas dois trabalhos em cães são descritos no decorrer do artigo.
A mensuração de vitamina D também foi avaliada em animais hospitalizados e pode ser utilizada como um bom preditor de mortalidade em pacientes sob cuidados de terapia intensiva, uma vez que os animais com valores de 25(OH)2D elevados apresentaram maiores índices de sobrevida. Sua atuação na resposta imunológica, atuando na regulação e produção das citocinas anti-inflamatórias e diminuindo as citocinas pró inflamatórias, também são descritas no texto de forma esclarecedora. As doenças infecciosas, como leishmaniose e babesiose nos cães e micoplasmose e FIV (vírus da imunodeficiência felina) em gatos, também estão relacionadas com valores mais baixos de 25(OH)D em relação a pacientes hígidos e podem estar relacionados com seu papel na resposta imune inata.
Como a 1,25(OH)2D é produzida nos túbulos renais, diversos estudos sobre sua dinâmica na doença renal crônica (DRC) já foram realizados. Pacientes doentes renais possuem valores de 25(OH)D e de 1,25(OH)2D menores que pacientes saudáveis, possivelmente por uma menor atividade da 1α-hidroxilase (enzima que transforma a 25(OH)D em 1,25(OH)2D), diminuição da conversão da vitamina D3 em 25(OH)D no fígado e a menor ingestão alimentar, característica dos animais com DRC. Outro comprometimento da DRC importante é o desenvolvimento do hiperparatireoidismo secundário renal e o tratamento pode ser realizado com a suplementação com calcitriol.
Em todos os trabalhos citados houve uma dificuldade em padronizar se a quantidade de vitamina D ingerida é suficiente, pois nem todos os trabalhos avaliaram a quantidade presente nas dietas comerciais ofertadas pelos tutores e na quantidade de alimento ingerido pelos animais. E, portanto, não há como concluir se a diminuição da vitamina D nas patologias citadas influenciam no desenvolvimento delas ou se são apenas consequências da inapetência causada por essas doenças aos animais.
Este tema está em constante atualização, ainda mais com a introdução de dietas caseiras na rotina alimentar de cães e gatos. Outros artigos foram publicados por esse mesmo grupo de pesquisa, que citamos abaixo como recomendações de leitura complementar, um deles fala sobre o metabolismo da vitamina D em cães, gatos e humanos com doença renal crônica (Chacar et al, 2020) e o outro fala sobre o papel da vitamina D no metabolismo ósseo de cães e gatos (Zafalon et al, 2020).
Fontes:
Chacar, FC; Kogika, M.M; Zafalon, R.V.A; Brunetto, M.A. Vitamin D Metabolism and Its Role in Mineral and Bone Disorders in Chronic Kidney Disease in Humans, Dogs and Cats. Metabolites. 2020, 10, 499.
Zafalon, RVA; Ruberti, B; Rentas, M.F.; Amaral, A.R; Vendramini, T.H.A.; Chacar, F.C.; Kogika, M.M.; Brunetto, M.A. The Role of Vitamin D in Small Animal Bone Metabolismo. Metabolites. 2020, 10, 496
O artigo completo está disponível no link: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111
Texto elaborado por:
M.V. Raquel Harue Fukumori
Veterinária, membra da Equipe de Endocrinologia Clínica de Cães e Gatos
Dra. Priscila Viau Furtado
Veterinária, CEO fundadora da empresa Pesquisas Hormonais e do Movimento Hormone Lovers
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