A diabetes dos nossos pets é igual a dos seres humanos?
Em abril deste ano, a OMS lançou um novo pacto global para impulsionar esforços para prevenir e levar tratamento a todas as pessoas diabéticas. Segundo o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, “O número de pessoas com diabetes quadruplicou nos últimos 40 anos. É a única doença não transmissível importante para a qual o risco de morte precoce está aumentando, em vez de diminuindo, (…).”
As causas e o diagnóstico de diabetes em seres humanos são bem estabelecidos em qualquer parte do mundo, assim como a instituição do tratamento. E nossos cães e gatos? Podemos diagnosticar e tratá-los como pequenos seres humanos diabéticos?
Durante um curso promovido pela MV MINDS sobre diabetes mellitus, vários profissionais, nacionais e internacionais, discutiram sobre estes pontos em relação á etiologia, diagnóstico e tratamento da diabetes em cães e gatos. A etiologia e o diagnóstico do paciente diabético foram muito bem elucidados pelo prof. Alan Poppl, vice-presidente da ABEV e professor da Universidade do Rio Grande do Sul entre outras atribuições dentro da endocrinologia veterinária. Existem inúmeras semelhanças e diferenças entre nós, seres humanos, e nosso pets. Nos humanos a diabetes tipo I, é relacionada com a deficiência total da produção de insulina pelas células beta presentes no pâncreas, em decorrência da destruição imunomediada e por isso o uso da insulina é essencial na terapia. Apesar de não possuir evidências da presença de anticorpos contra as células produtoras de insulina nos cães, há evidências da diminuição do número e do tamanho das células beta, o que os tornam também dependentes de insulinoterapia para não evoluírem para um quadro de cetose. A falta de comprovação imunomediada pode ser em decorrência do diagnostico tardio nestes pacientes. Os felinos por sua vez, apresentam evidências muito escassas de insulinite imunomediada, e apresentam um quadro muito semelhante ao diabetes tipo II dos seres humanos, que é marcado por uma obesidade importante, resultando em um quadro de resistência insulínica pelas diversas citocinas inflamatórias liberadas pelo tecido adiposo. Porém, muitos cães também apresentam no seu histórico, graus variados de obesidade e acesso ilimitado a petiscos altamente calóricos, o que poderiam predispor a quadros de resistência insulínica.
Outros quadros que podem estar associados com resistência insulínica seriam as doenças endócrinas como a Síndrome de Cushing, e o hipotireoidismo que acometem principalmente os cães e a acromegalia e o hipertireoidismo nos gatos. As cadelas apresentam ainda o diestro como um fator importante de resistência insulínica. Período, em que há um aumento dos níveis de progesterona e no estímulo da secreção de hormônio de crescimento pelas células mamarias, que diminuem a captação de glicose pelo tecido periférico e inibem a secreção de insulina pelas células pancreáticas. A influência dos hormônios sexuais nas cadelas é tão importante, que em países em que a castração não ocorre de forma corriqueira, as fêmeas são muito mais predispostas ao desenvolvimento da diabetes. E em países em que a maioria dos animais já são castrados, a predisposição para o desenvolvimento de diabetes é maior em machos de meia idade, em decorrência do ganho de peso excessivo principalmente ligado ao sedentarismo e à grande oferta de alimentos calóricos.
O diagnostico proposto para identificar o paciente com diabetes mellitus seria pela presença dos sinais clínicos, os famosos 4Ps do paciente diabético, poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso. E para que isso aconteça, é necessário que os valores de glicemia ultrapassem o valor de absorção renal, marcado em 180 a 200mg/dl nos cães e de 250 a 300mg/dl nos gatos, e, portanto, estes pacientes apresentariam hiperglicemia e glicosuria persistente. O grande ponto aqui, seriam os pacientes que já apresentam uma glicemia maior que 120mg/dl, e menor que o limiar de absorção renal. Pois estes pacientes não irão apresentar manifestações clínicas evidentes, e se a comorbidade associada, principalmente aos quadros de resistência insulínica, for tratada, a chance de evoluir para um quadro de diabetes mellitus diminui drasticamente.
A terapia do paciente diabético é um leque de possibilidades. E este ano, a insulina comemora seu centésimo ano de descoberta, que possibilitou a sobrevida de milhares de pacientes humanos, além dos cães e gatos. Desde a sua primeira formulação até os dias de hoje, ela sofreu diversas melhorias e atualmente existem vários tipos de insulina com potências e durações variadas. Apesar de nem todos os humanos diabéticos fazerem uso de insulina, nossos pacientes independentes da causa são insulino-dependentes de forma transitória ou permanente. A dieta é outro fator importante na terapia do paciente diabético, é diferenciada entre os cães e gatos. Para os cães, uma dieta com alto valor proteico, presença moderada de lipídeos, maior teor de fibras e carboidratos complexos são recomendados para que haja redução da hiperglicemia pós prandial. Já para os felinos, a dieta tem uma importância ainda maior, pois, por serem carnívoros estritos, necessitam de um valor proteico maior, e de uma quantidade baixa de carboidratos, uma vez que possuem menor atividade das vias glicogênicas. Sendo assim, uma dieta que contribui para estas necessidades nutricionais dos felinos, são as dietas úmidas, principalmente as fornecidas em forma de sachê, que além de fornecerem as necessidades nutricionais, fornecem também maior volume hídrico e menor ingesta calórica, facilitando a resposta insulínica e facilita no manejo da perda de peso, uma das principais causas de diabetes em gatos. Por fim, a escolha do tipo de insulina e do alimento a ser fornecido varia de paciente para paciente, e não há uma “receita de bolo”, o tratamento do paciente diabético deve ser individualizado se baseando sempre no estilo de vida (do tutor e do paciente) e nas comorbidades associadas visando sempre a uma qualidade de vida melhor para ambos.
Referências:
Poppl AG., Mottin TS., Gonzalez FHD. 2013. Diabetes mellitus remission fter resolution of inflammatory and progesterone-related conditions in bitches. Research in Veterinary Science 94:471-473. (https://doi.org/10.1016/j.rvsc.2012.10.008)
Behrend E., Holford A., Lathan P., Rucinsky R., Schulman R. 2018 AAHA Diabetes Management Guidelines for Dogs and Cats. Veterinary Practice Guidelines. 54:1-21. (DOI 10.5326/JAAHA-MS-6822)
Sparkes AH., Cannon M., Fleeman L., Harvey A., Hoening M., Peterson ME., Reusch CE., Taylor S., Rosenberg D.2015. ISFM Consensus Guidelines on the Practical Management os Diabetes Mellitus in Cats. Journal of Feline Medicine and Surgery 17: 235-250. (Doi: 10.1177/1098612X15571880)
Texto elaborado por:
M.V. Raquel Harue Fukumori
Veterinária, membra da Equipe de Endocrinologia Clínica de Cães e Gatos
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